🦜 O dia em que Galvão chorou
Ajoelhou-se no gramado, colando o rosto no campo. Tão logo o cheiro inconfundível da grama cortada golpeou suas narinas, o repórter foi arremessado em um espiral de memórias construídas ao longo de décadas de profissão. Trinta e cinco anos, para ser mais exato. Fechou os olhos marejados vagarosamente, enquanto os pulmões se esvaziavam do ar carregado de conquistas e boas histórias. Levantou-se, então, sacudindo o corpo e ajustou o headset confortavelmente em seu crânio. Estava pronto para fechar o ciclo.
Na cabine, a respiração pesarosa dos colegas deixara uma nuvem densa pairando no espaço. Trocas de olhares furtivos percorriam o ambiente, todos em alerta, selecionando cuidadosamente as palavras a fim de evitar relar o elefante na sala. "Bem, amigos da Rede Globo, estamos aqui, diretamente do Maracanã, o templo máximo do esporte, para mais um alucinante Flamengo e Vasco!", os trabalhos foram abertos. Galvão, com as pálpebras pesadas sob um olhar perdido, fez um esforço descomunal para não deixar transparecer seu desalento. Ao menos, não em sua voz.
O jogo corria bem, alheio ao clima de despedida que rondava o estádio. Mas, clássico é clássico. Ainda no primeiro tempo, Ricardo Graça, zagueiro do Vasco, entrou rasgando em Gabigol, que enfeitou ainda mais a cena de violência gratuita. Tentou continuar o jogo, mas seu mancar já denunciava a provável lesão. Com a mão na coxa e careta de quem chupou limão galego, o flamenguista fez o sinal de troca para o treinador.
Ao ver aquela cena, o repórter à beira do campo sentiu as maçãs do rosto queimando e se abrindo num sorriso traquineiro. Era a sua oportunidade de se despedir do amigo com chave de ouro.
"Galvão?"
"Diga lá, Tino!"
"Au au"
Tino Marcos podia se aposentar em paz.