🧼 O amor é um Phebo Lima da Pérsia™
"Caralho, ele já tá para chegar...", matutou dona Edna, dando uma olhadela para o relógio. Suas mãos, quase que em uma dança sincronizada, enrolavam as coxinhas de forma surpreendentemente impecável, dada a pressa. A velha alternava entre modelar os quitutes e limpar o suor do cenho (com o avental, claro, ela não é nenhum animal!).
Em trinta e sete anos de casados, a tradição de comemorar bodas com uma coxinha fritinha na hora e um Guaraná Antártica trincando de gelado nunca havia falhado. E também não foi dessa vez. Teria sido mais tranquilo, claro, se não fosse o contratempo que ela teve que enfrentar antes de preparar o agrado para o seu Edson. Salgados devidamente enrolados, ela correu até o banheiro e banhou-se com seu Phebo Lima da Pérsia™ (que tem o aroma favorito do marido). "Que flores será que ele vai trazer esse ano?", ponderou Edna, enquanto se ensaboava ligeira.
Seu Edson, por sua vez, havia parado na barbearia do Joaquim, do lado do mercado das flores. "O de sempre, Joca. Mas capricha que hoje tem!", anunciou o velhaco, entre gostosas gargalhadas. Joaquim fez o trabalho da sua vida, ou pelo menos disse que fez, enquanto marotamente manipulava o espelho a fim de esconder os caminhos de rato que deixou na cabeça do amigo.
As rosas do mercado estavam tão bonitas, que Edson nem titubeou na escolha. Com o tempo que ganhou, já não mais corria para chegar em casa. Caminhava tranquilamente, cantarolando "queixo-me às rosas, mas que bobagem, as rosas não falam...", enquanto batucava de leve o buquê com os dedos. Logo que chegou ao portão, seu coração acelerou que nem o de um menino. Sentiu o cheirinho de Lima da Pérsia™ (sim, o cheiro vai longe assim) e não pôde deixar de sorrir. "Como eu te amo, véia", gritou abrindo a porta.
A luz da casa estava apagada. Intrigado, Edson caminhou cuidadosamente, tateando o ar, até o outro lado da sala. Foi a conta de mais um passo e seu Edson tropeçou no contratempo de sua esposa, um objeto inerte, indo direto ao chão. "Caralho, Edna!", resmungou. Imediatamente a luz se acendeu e o velho não se conteve num sobressalto. Era uma perna. Humana mesmo. Só uma perna, gelada. Com uma boa fatia da coxa faltando.
A mulher, que acendeu a luz, ficou séria e fitou o marido caído. Edson, alternava o olhar entre a perna e a esposa. Por fim, decidiu quebrar o silêncio. "O que é isso?!", perguntou firmemente. Ela não respondeu, só manteve o olhar.
Continuaram a se encarar, o semblante do marido foi ficando mais severo, os dentes cerrados. Edna soltou um grunhido de quem quer rir. Era o seu limite. Os músculos do rosto foram se soltando em uma gargalhada rouca, de cigarro. Edson, então, esboçou um sorriso, saindo do personagem, até cair na gaitada com a amada.
"Mulher, você não muda! Deixou o recheio na sala de novo, que nem em 2007?!", brincou. "Também te amo, Edson. Vamos comer as coxinhas, antes que esfriem.", respondeu ela de prontidão. O velho ergueu sua própria carcaça, pegou a perna no chão e levou-a até o freezer, junto do resto do corpo. Em seguida, voltou à sala para devorar as delícias com a amada.
"Coração, eu amo quando você usa esse sabonete", começou a puxar assunto, ainda de boca cheia.
O amor é um Phebo Lima da Pérsia™.